4- INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA

O telefone, como meio de comunicação verbal e à distância, tornou-se um instrumento insubstituível nas relações telefônicas seja aquele em que o fenômeno das interceptações ilícitas toma dimensões preocupantes, por ser o setor onde a violação do direito à intimidade pode mais facilmente se manifestar, sem o conhecimento do titular do direito.

GRINOVER (2013, p. 237) comenta sobre a interceptação telefônica:

Como aspecto processual da tutela da intimidade, apresenta-se a questão das interceptações telefônicas, as quais, se desobedecido o regime legal a que estiverem sujeitas, também se enquadram na problemática das provas ilícitas.

Quando Grinover comenta sobre “problemática das provas ilícitas”, ela quis dizer que no caso das interceptações telefônicas, colocam-se no campo processual no tocante à questão da admissibilidade das provas obtidas através de interceptações ilícitas ou irregulares.

A Constituição prevê expressamente, em relação à inviolabilidade do sigilo de comunicações telefônicas, a necessidade de ordem judicial para a instrução de investigação criminal e instrução processual penal.

Nesse sentido, MIRABETE (2006, p. 255) diz que é crime a interceptação sem autorização:

A lei ainda prevê como crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.

 

 

Mirabete quis dizer, conforme citação acima, que é preciso a autorização do juiz para que a interceptação telefônica seja legal.

4.1- CONCEITO

Com a criação da Lei nº 9296/96, acabou toda e qualquer omissão legislativa, que causava dúvidas em decisões confusas sobre autorizações judiciais duvidosas que envolviam interceptações telefônicas que, com isso, criavam somente insegurança jurídica e mais ainda, desrespeitava os direitos fundamentais do ser humano, como o direito a intimidade.

A Lei nº. 9.296, de 24 de julho de 1996, foi um marco na história das interceptações telefônicas, pois com ela vieram as soluções nunca antes existentes para questões que jamais haviam conseguido respostas corretas e justas. Esta lei foi criada para regulamentar o art. 5°, XII da Constituição Federal, que deixava dúvidas sobre quando e como poderia ser pedido o uso da interceptação, suas hipóteses e ainda, o uso dela como prova no processo.

Interceptação telefônica é quando há duas pessoas conversando no telefone e um terceiro ouve a conversa sem o conhecimento das partes.

Em sentido lato, define-se interceptação telefônica como qualquer ato de interferência nas comunicações telefônicas alheias, quer com a finalidade de impedi-las, quer com a finalidade de delas tomar conhecimento. Em sentido estrito, são aquelas formas de inserção nas comunicações alheias que produzem, ao mesmo tempo, o efeito de possibilitar sua escuta por parte de um sujeito estranho e de impedir o recebimento ou a conclusão por parte do destinatário (GRINOVER, Ada Pellegrini, 2013, p. 255).

Conforme a citação acima, Grinover quis dizer que a interceptação telefônica indica a captação de comunicação telefônica entre duas pessoas, diversas do interceptor, desde que pelo menos uma delas desconhece a existência da intromissão, com a escuta podendo ser documentada fonograficamente através de meios mecânicos.

RANGEL, Paulo (2001, p. 304) comenta sobre a interceptação telefônica:

 

São provas ilícitas as obtidas com violação ao domicílio (cf. art. 5°, XI, da CRFB) ou ao sigilo das comunicações telefônicas, sem ordem judicial (cf. art. 5°, XII, da CRFB c/c art. 1° da Lei n° 9.296/96); as conseguidas mediantes tortura ou maus-tratos.

 

Rangel também segue o entendimento em que a interceptação telefônica é uma prova ilícita caso não haja autorização judicial.

 

4.2 –ESPÉCIE DE INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS

 

A Interceptação Telefônica corresponde a um gênero e que se subdivide em 3 espécies:

 

Interceptação telefônica stricto sensu: hipótese na qual um terceiro viola a conversa telefônica de duas ou mais pessoas, registrando ou não os diálogos mantidos, sem que nenhum dos interlocutores tenha conhecimento da presença do agente violador.

 

Para Vicente Greco Filho (2008, p. 06) comenta sobre a interceptação em sentido estrito:

A interceptação em sentido estrito é a realizada por alguém sem autorização de qualquer dos interlocutores para a escuta e eventual gravação de sua conversa, e com desconhecimento deles.

 

Para Greco, o ponto principal para distinguir a Interceptação telefônica da Gravação e a Escuta, é o terceiro, na qual realiza a interceptação sem a autorização de qualquer uma das partes.

 

Na Interceptação Telefônica há três protagonistas: dois interlocutores e o interceptor, que capta a conversação sem consentimento daqueles. (JESUS, Damásio de. 2012, p. 175)

 

 

Escuta telefônica: situação em que um terceiro viola a conversa telefônica mantida entre duas ou mais pessoas, havendo, contudo, a ciência de um ou alguns dos interlocutores de que os diálogos estão sendo captados.

 

Na escuta telefônica, também há dois interlocutores e um interceptor, só que um daqueles tem conhecimento do fato (JESUS, Damásio de. 2012, p. 175).

 

Gravação telefônica: aqui não há a figura de terceiro. Um dos interlocutores, simplesmente, registra a conversa que mantém com o outro. Não há, propriamente, uma violação de conversa telefônica, já que o registro está sendo feito por um dos indivíduos que mantém o diálogo.

 

MORAES, Alexandre (2006, p, 66) Entende que:

 

Gravação telefônica é aquela que a captação e gravação de conversa pessoal, ambiental ou telefônica se dão no mesmo momento em que a conversa se realiza, feita por um dos interlocutores, sem que haja conhecimento dos demais interlocutores.

 

Segundo Moraes, não é necessário a presença de um interceptor nessa comunicação para configurar em uma gravação telefônica clandestina, basta um dos interceptores estarem gravando.

 

Na gravação clandestina há só dois comunicadores, sendo que um deles grava a conversação (JESUS, Damásio de. 2012, p. 175).

4.3 – PROCEDIMENTOS PARA INTERCEPTAÇÃO

Na nossa legislação brasileira, para que o procedimento da Interceptação Telefônica seja legítimo, é importante que esteja composto de 03 requisitos:

 

  • Ordem judicial: Consagra o princípio do juiz natural. Desse modo, o juiz que determina a interceptação deve ser o competente para julgar a ação penal principal. A cautelar torna prevento o juízo para julgar a ação penal.

Damásio de Jesus comenta sobre o requisito de Ordem Judicial na Interceptação Telefônica:

A interceptação de comunicação telefônica não pode ser determinada pelo Ministério Público, pela autoridade policial ou qualquer outra autoridade pública, civil ou militar. (JESUS, Damásio de. 2012, p. 176).

Conforme a citação acima compete exclusivamente ao juiz de direito um poder de coerção processual, e nenhuma outra autoridade pública pode dar uma ordem judicial para que realize a Interceptação Telefônica.

Trata-se do juiz, de acordo com as normas de processo penal e de organização judiciária, competente para processar e julgar o crime objeto da medida. A ordem deve emanar do juiz competente para a ação principal. Trata-se de competência funcional e, portanto, absoluta, não se admitindo que seja determinada por outro juiz que não aquele que vai receber a denúncia ou queixa

A violação das comunicações telefônicas (artigo 5º, inciso XII, parte final, da Constituição Federal) somente foi regulamentada com a Lei n. 9.296/96, a qual permite que seja utilizada como meio de prova tanto na investigação criminal como na instrução processual penal, sempre condicionada à ordem judicial, bem como o respeito aos requisitos legais e constitucionais.

  • Para fins de investigação criminal ou instrução processual penal: A quebra do sigilo das comunicações telefônicas de qualquer natureza é admissível para fins de investigação criminal e instrução processual penal relativas aos crimes apenados com reclusão e, na hipótese de crime apenado com detenção, quando a conduta delituosa tiver sido realizada por meio dessas modalidades de comunicação.

O art. 5°, XII, da CF restringe os fins da interceptação telefônica a dois casos: investigação criminal (inquérito policial) e instrução processual penal (art. 1°, caput, da Lei 9.296/96). De maneira que a investigação não pode ser efetuada, e a prova obtida não se admite seja empregada para outras finalidades extrapenais, como inquérito civil ou administrativo e ação civil pública. E, mesmo no plano criminal, restringe-se aos fins expressamente mencionados (JESUS, Damásio de. 2012, p. 177)

 

Tendo em vista a citação acima mencionada por Damásio, é admissível para fins de investigação criminal e instrução processual penal apenas.

 

  • Nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer.

4.4- CAUSAS QUE EXCLUEM A POSSIBILIDADE DE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA

 

Segundo disposto no art. 2º da Lei 9.296/96, não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando: I. não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal; II. quando a prova puder ser feita por outros meios disponíveis e; III. se o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção.

 

Quanto ao inciso I, apesar de não se exigir prova exaustiva, os indícios devem ser suficientes, para afastar a possibilidade de interceptação telefônica com conjecturas, baseada em mera suspeita. Trata-se de indícios razoáveis que são o fumus boni iuris.

 

A exigência de que existam indícios razoáveis refere-se ao fato determinado ser definido como crime e que necessite ser apurado. Importante se faz ressaltar que a interceptação pode ser decretada antes mesmo de instaurado o inquérito policial. Contudo, deve existir ao menos uma investigação iniciada.

 

Da análise do inciso II, verifica-se que o legislador trata da necessidade de a interceptação ser o único meio de prova disponível para comprovar a veracidade do alegado. Assim sendo, se houver qualquer possibilidade da prova ser obtida por meio diverso, como testemunhal, por perícias, não será possível determinar que se realize a interceptação.

 

Em se tratando de prova testemunhal, MITTERMAYER comenta:

 

O depoimento da testemunha deve ser persistente; é mister que nos diversos interrogatórios as suas palavras sejam sempre as mesmas, sempre isentas de contradições ou de hesitações. Com efeito, aquele que observou exatamente deve sempre reproduzir na mesma linguagem o que viu; a mentira, ao contrário, vê-se involuntariamente pelas diferenças notáveis nos depoimentos feitos em diversas épocas sobre as mesmas circunstâncias; e nem pode deixar de ser assim. (Dr. C. J. A. Mittermayer – 1834, tratado da prova em matéria criminal – pg. 314).

 

Sendo assim, a prova testemunhal deve ser realizada caso seja necessário. Porém, sempre deve ser feito esta análise se cabe ou não antes de realizar a interceptação telefônica.

 

Não é permitida a interceptação telefônica quando a prova puder ser obtida por outros meios disponíveis (inc. II). Entenda-se: meios legais. Assim, não pode ser acatada, para admissão da diligencia, a alegação da autoridade policial de que não dispõe de meios materiais para a apuração do crime, como investigadores, viaturas etc. (JESUS. Damásio de – 2012, p. 180).

 

O que Damásio quis dizer é que caso haja outros meios de prova para apuração de determinado crime, deve utilizar-se destes, e que estes meios sejam legais.

 

Finalmente, o inciso III, dispõe que não será autorizada, se a infração for punível, no máximo, com detenção.

 

FILHO, Vicente Greco, (2008, p. 23) cometa sobre a possibilidade de interceptação telefônica  nos crimes de reclusão e não de detenção:

 

A possibilidade de interceptação telefônica com relação a todos os crimes de reclusão precisa ser restringida, porque muito ampla. Há muitos crimes punidos com reclusão que, de forma alguma justificariam a quebra do sigilo das comunicações telefônicas, considerando-se especialmente o “furor incriminatório” de que foi tomado o legislador a desproporcionalidade da pena cominada. Há necessidade de se ponderar a respeito dos bens jurídicos envolvidos: não se pode sacrificar o bem jurídico da magnitude o sigilo das comunicações telefônicas para a investigação ou instrução de crime em que não estejam envolvidos bens jurídicos de maior valor.

 

Sendo assim, verifica-se claramente que é excluído a interceptação telefonia quando a pena é de detenção, sendo permitido apenas nos crimes punidos com reclusão.

4.5 – DA NÃO EXISTÊNCIA DE OUTRO MEIO DE SE PRODUZIR A PROVA

 

Segundo o artigo 2°, inciso II, da Lei de n° 9.296/96 diz a respeito da não admissibilidade da interceptação telefônica quando o magistrado realiza a o procedimento sem antes verificar se existe ou não outro meio de se produzir a prova. (BRASIL. Vade Mecum: Saraiva. 13ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 1403)

 

A Autoridade Policial ou o representante do Ministério Público devem esgotar todos os outros meios de provas para que assim, somente assim, seja possível realizar a interceptação telefônica. O legislado trata a interceptação telefônica ser o único meio de prova para comprovar a veracidade dos fatos alegados, e caso haja outros meios como prova testemunhal ou por perícias, não será admitido o meio de prova pela interceptação telefônica.

 

Caso a interceptação telefônica seja obtida de forma errada, as consequências do ato serão de caráter material e também de caráter processual. (GRINOVER, 2013, p. 339).

 

Sendo realizada a interceptação quando não é verificado ou observado que a prova poderia ser feita por outros meios disponíveis, o legislador não colocou na Lei 9.296/96 se essa prova é nula ou anulável, a Lei de interceptação telefônica no seu artigo 5°, fala sobre nulidade apenas na questão que o juiz deve fundamentar sua decisão sob pena de nulidade. (BRASIL. Vade Mecum: Saraiva. 13ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 1403).

 

Assim, mesmo nos casos em que o Código de Processo Penal não decrete nula sua produção, essas provas são inadmissíveis e ineficazes, por força de preceito constitucional. Nesse sentido, Ada Pellegrini Grinover comenta:

 

Desse modo, e especificamente em relação às interceptações telefônicas – entendidas  como limitações a uma direito constitucionalmente garantido -, o impedimento probatório, no tocante à admissibilidade e à eficácia da prova ilicitamente colhida, decorre diretamente da Constituição. Assim, mesmo nos casos em que o CPP não estabelece a inadmissibilidade das provas obtidas por força de uma interceptação ilícita, ou não decrete nula sua produção, estas provas são inadmissíveis e ineficazes, por força de preceito constitucional. (GRINOVER. 2013, p. 339)

 

 

Sendo assim, verificamos que nem a Lei 9.296/96 e nem o Código de Processo Penal, especificamente no que se refere à interceptação telefônica, decreta nula a interceptação telefônica quando o magistrado não observa que a prova pode ser feito por outros meios disponíveis, porém, por força da Constituição Federal, a interceptação telefônica se torna inadmissíveis e ineficazes.